Artigo em destaque: Eletrodos mais baratos e eficientes para células solares orgânicas.


Célula solar orgânica produzida com o material estudado neste trabalho (GO:PEDOT:PSS).
Célula solar orgânica produzida com o material estudado neste trabalho (GO:PEDOT:PSS).

São leves, finas e flexíveis. Podem ser fabricadas em escala industrial usando processos simples e de baixo custo. As células solares orgânicas têm várias vantagens e apelos, mas ainda oferecem vários desafios aos pesquisadores, principalmente na área de materiais. Esses dispositivos que transformam luz solar em eletricidade devem seu nome ao uso de materiais orgânicos (polímeros ou moléculas baseadas em carbono) na camada ativa, que é a responsável pela absorção de luz. Mas as outras camadas do “sanduíche” que constitui uma célula solar orgânica também são muito importantes, principalmente os eletrodos, responsáveis por coletar as cargas elétricas geradas pela ação da luz.

No Brasil, três grupos de pesquisadores uniram suas competências e desenvolveram uma pesquisa colaborativa que trouxe uma importante contribuição ao desenvolvimento de materiais para eletrodos de células solares orgânicas. Recentemente publicado, o trabalho foi coordenado pela cientista Maria Luiza M. Rocco, professora do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Células solares orgânicas precisam de eletrodos que, além de serem bons condutores das cargas elétricas, sejam transparentes para permitir a passagem de luz até a camada ativa, como se fossem janelas. Infelizmente, são poucos os materiais que reúnem boa condutividade e transparência. Um deles é o óxido de estanho e índio (conhecido pela sigla ITO). Depositado em forma de filme fino sobre um substrato de vidro, o ITO constitui, até o momento, o eletrodo mais utilizado em células solares orgânicas, além de ser amplamente usado em telas de eletrônicos e outros dispositivos que estão no mercado. “Em médio prazo, esse eletrodo padrão precisará ser substituído, e muitos são os esforços dos cientistas para substituí-lo com eficácia”, comenta a professora Maria Luiza. De fato, o processo de produção dos filmes de ITO é caro, e o índio é um material escasso na crosta terrestre. Além disso, esses eletrodos não são totalmente flexíveis.

Representação simplificada das camadas que compõem uma célula solar orgânica com o eletrodo estudado pela equipe brasileira.
Camadas de uma célula solar orgânica com o eletrodo estudado pela equipe brasileira.

Até o momento, a principal alternativa ao ITO é o PEDOT:PSS, mistura de polímeros que permite fabricar filmes condutores e transparentes. Ao combinar esse material com óxido de grafeno (GO), é possível obter um material compósito com condutividade superior à do polímero puro. E a condutividade pode aumentar ainda mais por meio de tratamentos realizados no material. Além disso, os filmes de GO:PEDOT:PSS se adaptam a um sistema muito adequado para a produção de células solares orgânicas em escala industrial, o rolo-a-rolo. Nesse sistema, as diversas camadas são impressas ou depositadas sobre um substrato flexível (por exemplo, de plástico). O substrato fica enrolado no início da linha de produção, vai desenrolando para receber as camadas e forma um novo rolo no final, com o material quase pronto para ser usado como painel solar.

Análise detalhada

Soluções à base de água usadas para preparar os filmes com diferentes concentrações de PEDOT.
Soluções à base de água usadas para preparar os filmes com diferentes concentrações de PEDOT.

No trabalho coordenado pela professora Maria Luiza, a equipe realizou um estudo sistemático de diferentes filmes, usando técnicas espectroscópicas. Foram analisadas amostras de PEDOT:PSS puro e de óxido de grafeno com diferentes proporções de PEDOT:PSS (1, 5 e 10%). Além disso, amostras de cada um desses grupos foram resfriadas a -196°C (temperatura de nitrogênio líquido) até atingir o equilíbrio térmico e depois devolvidas à temperatura ambiente.

O objetivo foi compreender a relação entre a estrutura e propriedades de cada um dos filmes, e avaliar qual das combinações permitiria uma maior mobilidade dos elétrons e, portanto, um melhor desempenho do material como eletrodo de células solares orgânicas.

Inicialmente, o óxido de grafeno foi sintetizado pelo Grupo de Química de Materiais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), liderado pelo professor Aldo J. G. Zarbin. Em seguida, membros do Laboratório de Dispositivos Nanoestruturados, também da UFPR, desenvolveram as misturas, prepararam os filmes e estudaram as propriedades ópticas, elétricas e de tratamento térmico, sob coordenação da professora Lucimara S. Roman. Finalmente, o grupo da professora Maria Luiza M. Rocco, da UFRJ, realizou os estudos espectroscópicos no Laboratório Multiusuário de Espectroscopia de Fotoelétrons da UFRJ e no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do CNPEM. O projeto também teve o apoio de representante do CSEM Brasil.

“A possibilidade de utilização da luz síncrotron foi fundamental para a compreensão das propriedades eletrônicas, morfológicas e de transporte desses novos materiais a serem empregados como eletrodos em dispositivos optoeletrônicos”, comenta a professora Maria Luiza. Os estudos espectroscópicos incluíram a análise diferenciada da superfície e do volume (bulk) dos filmes, mostrando características diferentes em cada região das amostras.

A pesquisa demonstrou que as amostras de óxido de grafeno com 5% de PEDOT:PSS resfriadas teriam o melhor desempenho como eletrodos de células solares. “A introdução de um material isolante (GO) em um condutor (PEDOT:PSS) pôde aumentar a condutividade deste último em duas ordens de grandeza”, revela a professora Maria Luiza. Mais barato que o PEDOT, o óxido de grafeno usado nos eletrodos diminuiria o custo dos dispositivos. O tratamento térmico realizado também ajudou a melhorar a condutividade do material, ao organizar as moléculas de um modo que facilita o deslocamento dos elétrons.

O trabalho faz parte da pesquisa de doutorado em Química de Soheila Holakoei, defendido pela UFRJ em 2019, que contou com a orientação da professora Maria Luiza. O estudo recebeu financiamento do LNLS-CNPEM e das agências brasileiras Faperj (Rio de Janeiro), CNPq, CAPES e Finep.

Autores do artigo: Soheila Holakoei, Amanda Garcez Veiga, Cássia Curan Turci, Matheus Felipe Fagundes das Neves, Luana Wouk, João Paulo V. Damasceno, Aldo J. G. Zarbin, Lucimara S. Roman, and Maria Luiza M. Rocco.
Autores do artigo. Acima: Soheila Holakoei, Amanda Garcez Veiga, Cássia Curan Turci e Matheus Felipe Fagundes das Neves. Abaixo: Luana Wouk, João Paulo V. Damasceno, Aldo J. G. Zarbin, Lucimara S. Roman e Maria Luiza M. Rocco.

Referência do artigo: Conformational and Electron Dynamics Changes Induced by Cooling Treatment on GO:PEDOT:PSS Transparent Electrodes. Soheila Holakoei, Amanda Garcez Veiga, Cássia Curan Turci, Matheus Felipe Fagundes das Neves, Luana Wouk, João Paulo V. Damasceno, Aldo J. G. Zarbin, Lucimara S. Roman, and Maria Luiza M. Rocco. The Journal of Physical Chemistry C. 2020 124(49), 26640-26647. DOI: 10.1021/acs.jpcc.0c07827

Contato da autora correspondente do artigo: Maria Luiza M. Rocco – luiza@iq.ufrj.br.


 


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