Artigo em destaque: Biossensor fotoeletroquímico para o diagnóstico “point-of-care” de doenças.


Capa da ACS Applied Materials & Interfaces destacou o trabalho da equipe da USP São Carlos.
Capa da ACS Applied Materials & Interfaces destacou o trabalho da equipe da USP São Carlos.

Utilizando um conjunto de materiais cuidadosamente preparados e combinados, pesquisadores da USP de São Carlos desenvolveram um imunossensor fotoeletroquímico portátil com potencial para uso no diagnóstico precoce de doenças. O dispositivo permite a detecção rápida e precisa de doenças como o câncer, inclusive em estágio inicial. O imunossensor foi testado, com resultados muito bons, na detecção do antígeno prostático específico (PSA na sigla em inglês), que é o marcador mais utilizado para diagnosticar e acompanhar casos de câncer de próstata a partir de amostras de sangue.

Em um sistema compacto, que cabe em uma mão, o dispositivo reúne todos os elementos necessários para realizar o diagnóstico, prescindindo de laboratórios e profissionais especializados. Dessa forma, torna-se atrativo, por exemplo, para uso em locais afastados de centros de saúde e se insere dentro do paradigma de point-of-care testing, uma expressão que designa, na área de saúde, a possibilidade de se fazer exames clínicos no mesmo local do atendimento médico.

“A tecnologia desenvolvida tem potencial para facilitar e tornar mais rápidos e precisos os diagnósticos de câncer, principalmente no estágio inicial. O método permite a detecção de biomarcadores em baixos níveis de concentração e no próprio consultório médico”, diz Thiago Serafim Martins, um dos autores correspondentes do artigo que reporta esta pesquisa e foi capa no periódico ACS Applied Materials & Interfaces. Martins participou deste trabalho durante o seu doutorado, cuja tese foi defendida neste ano no Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP).

Graphitic Carbon Nitride and Electrodeposited Aryl Diazonium autores
Os autores do paper. A partir da esquerda: José L. Bott-Neto, Thiago S. Martins, Lorenzo A. Buscaglia, Sergio A. S. Machado e Osvaldo N. Oliveira Jr.

O desafio

Imunossensores formam uma classe de dispositivos de detecção cujo funcionamento se baseia na interação entre anticorpos e os seus antígenos. Nesses biossensores, anticorpos são imobilizados na superfície da plataforma de detecção de modo que, ao entrarem em contato com seus respectivos antígenos, e apenas com eles, ocorra a reação química que, no organismo, permite que nos defendamos dos patógenos.

Nesse momento, entra em cena outro componente do imunossensor, o transdutor, o qual traduz essa informação imunoquímica em outro tipo de sinal que possa ser facilmente interpretado (geralmente uma corrente elétrica). Quando essa tradução se baseia em reações eletroquímicas, o dispositivo é chamado de imunossensor eletroquímico. E quando a geração de corrente elétrica é incentivada pela ação da luz sobre um material sensível, se diz que o imunossensor é fotoeletroquímico, “Os biossensores fotoeletroquímicos pertencem a uma abordagem analítica sensível e de baixo custo para detectar moléculas de interesse clínico e ambiental”, diz José Luiz Bott-Neto, pós-doutorando no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) e coautor correspondente do paper. Entretanto, explica ele, antes deste trabalho, essa tecnologia exigia o uso de fontes de luz de grandes dimensões e alta potência, o que inviabilizava o seu uso em dispositivos portáteis.

Frente a essa limitação, a equipe da USP São Carlos se propôs a desenvolver um fotocatalisador (um nanomaterial capaz de aumentar a capacidade do sistema de absorver luz e transformá-la em corrente elétrica) que permitisse usar fontes de luz menores. Os pesquisadores partiram de dois materiais que, além de apresentar propriedades fotocatalisadoras, são atóxicos, de baixo custo e fácil preparo: o dióxido de titânio (TiO2) e o nitreto de carbono grafítico (gC3N4). Então, eles inseriram átomos de níquel na estrutura do nitreto de carbono grafítico, formando o composto Ni-gC3N4, e combinaram esse material com nanopartículas de dióxido de titânio, resultando na formação do compósito Ni-gC3N4/TiO2. Finalmente, trataram a superfície do compósito com sal de aril diazônio. “Este último atuou como amplificador de sinal ao mesmo tempo que possibilitou a imobilização dos anticorpos nas nanopartículas”, diz Bott-Neto. O fotocatalisador foi usado para revestir os eletrodos de carbono do sistema fotoeletroquímico.

O resultado

Sempre buscando simplicidade e miniaturização, os autores montaram um protótipo do dispositivo com os fotocatalisadores, os anticorpos anti-PSA imobilizados neles, um sistema elétrico e, como fonte de luz, um LED de 3 watts, além de peças produzidas por meio de impressão 3D. Nos testes de desempenho, o immunosensor fotoeletroquímico foi capaz de detectar o PSA em diversas concentrações em amostras de soro humano, e apresentou o menor limite de detecção já relatado na literatura para dispositivos desse tipo, segundo os autores do artigo. “A alta sensibilidade e seletividade do imunossensor pode ser atribuída à heterojunção entre Ni-gC3N4 e TiO2”, explica Bott-Neto.

O trabalho traz uma contribuição fundamental para levar a tecnologia de detecção fotoeletroquímica, que se caracteriza pelo baixo custo e altos níveis de sensibilidade e seletividade, a aplicações que requerem portabilidade, como os testes point-of-care.

 

A partir da esquerda: foto do sistema portátil de detecção fotoeletroquímica operando com um LED; ilustração do imunossensor fotoeletroquímico para a detecção de PSA: fotocatalisador (Ni-gC3N4/TiO2), bloqueador (BSA), anticorpo (anti-PSA), antígeno específico de próstata (PSA); imagem de microscopia eletrônica de transmissão do fotocatalisador Ni-gC3N4/TiO2.
A partir da esquerda: foto do sistema portátil de detecção fotoeletroquímica operando com um LED; ilustração do imunossensor fotoeletroquímico para a detecção de PSA: fotocatalisador (Ni-gC3N4/TiO2), bloqueador (BSA), anticorpo (anti-PSA), antígeno específico de próstata (PSA); imagem de microscopia eletrônica de transmissão do fotocatalisador Ni-gC3N4/TiO2.

Referência do artigo científico: Photocatalysis of TiO2 Sensitized with Graphitic Carbon Nitride and Electrodeposited Aryl Diazonium on Screen-Printed Electrodes to Detect Prostate Specific Antigen under Visible Light. José L Bott-Neto, Thiago S Martins, Lorenzo A Buscaglia, Sergio A S Machado, and Osvaldo N Oliveira Jr. ACS Applied Materials & Interfaces 2022, 14, 19, 22114–22121.  https://doi.org/10.1021/acsami.2c03106

Contato de autor correspondente: joseluiz.bott@gmail.com


Comments
    • Carlos Alberto Fonzar Pintao

      Parabéns a todos da equipe. Um trabalho muito importante para monitorar o estado de saúde das pessoas. Novo leque de pesquisa aberto para a ciência e por brasileiros. Muito orgulho de ser brasileiro.

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