Artigo em destaque: Engenharia de estrutura de banda usando a geometria de tubos enrolados.


[Texto de divulgação elaborado por Christoph Deneke, Leonarde do Nascimento Rodrigues e Angelo Malachias, coautores da pesquisa, com pequenas edições do Boletim da SBPMat.]

Alterar as propriedades dos materiais, como a capacidade de conduzir corrente ou a sua resposta óptica, por meio da deformação do material resultante da aplicação de uma tensão elástica, tem sido um recurso de uso constante na tecnologia de semicondutores. Conjuntamente, diversos pesquisadores têm utilizado esse mecanismo para controlar propriedades de natureza fundamental de materiais distintos e descobrir novas possibilidades de aplicação tecnológica. Para tal finalidade, materiais semicondutores com espessura nanométrica são especialmente adequados, pois se tornam compatíveis com dispositivos já existentes e flexíveis, em razão da sua espessura reduzida. Até o momento, realizava-se essa engenharia de deformação por meio da aplicação de um potencial externo a fim de controlar a tensão elástica sobre as membranas ultrafinas, alterando-se, com sucesso, propriedades fundamentais como a estrutura de banda do material (a distribuição dos níveis de energia dos elétrons dentro do material).

Uma equipe de pesquisadores da universidades brasileiras demonstrou que é possível alterar fundamentalmente as propriedades ópticas de uma membrana semicondutora mediante a sua integração em um sistema curvo, ou seja, uma estrutura com geometria tubular (tubos enrolados – rolled-up tubes). Os autores usaram uma tecnologia bem estabelecida de liberação e enrolamento de um sistema de camadas tensionadas. A fim de minimizar a energia elástica, as camadas tensionadas, ao serem liberadas, evoluem para um estado de equilíbrio formando espontaneamente uma estrutura tridimensional, cuja configuração final é um tubo.

 

Processo de fabricação, imagens de microscopia ótica e microscopia eletrônica das estruturas com geometria tubular. (ACS Appl. Nano Mater. 2021, 4, 3, 3140-3147).
Processo de fabricação, imagens de microscopia ótica e microscopia eletrônica das estruturas com geometria tubular. (ACS Appl. Nano Mater. 2021, 4, 3, 3140-3147).

 

As etapas de fabricação das nanoestruturas curvas  estão ilustradas na imagem acima. Inicialmente, a equipe produziu um único cristal composto por diferentes materiais. Em seguida, realizou-se a transferência de um padrão (desenho) geométrico em forma de “U” para a superfície da estrutura empregando a técnica de fotolitografia – o mesmo tipo de tecnologia utilizada na produção de chips de computador. A última etapa do processo é responsável pela configuração final em forma de tubo do material por intermédio da remoção seletiva de uma camada “de sacrifício” previamente introduzida abaixo do sistema de camadas de interesse. As imagens à esquerda da Figura 1(a-d) representam as etapas de fabricação dos tubos, enquanto à direita da figura (f-g) são exibidas as imagens de microscopia óptica e eletrônica, respectivamente, das estruturas obtidas.

“Desde 2001, eu estou trabalhando com esse tipo de sistema. Já sabemos que as propriedades de fontes de luz quânticas incorporadas mudam com o enrolamento. Mas, até este trabalho, nós tínhamos usado materiais que foram pouco afetados pela mudança geométrica”, relata o professor Christoph Deneke, da Unicamp. Seu colaborador de longa data, professor Angelo Malachias, acrescenta: “Ao usar o material InGaAs em vez de GaAs, nós conseguimos uma mudança completa da estrutura eletrônica do material e da emissão de luz da estrutura integrada na parede do tubo. O controle da estrutura de banda evidenciada no trabalho é de grande interesse tecnológico no campo de dispositivos ópticos”. Para investigar essas mudanças, medidas ópticas foram realizadas em colaboração com os professores Odilon Divino Damasceno Couto JúniorFernando Iikawa, da Unicamp. Ao utilizarem técnicas de espectroscopia óptica para medir a polarização da luz (o plano de vibração da luz), os autores descobriram que a resposta apontava para mudanças fundamentais da fonte de luz.

A imagem abaixo mostra o espectro obtido para uma estrutura de referência (em sua forma plana) e na nova forma enrolada.

 

Espectros de fotoluminescência (PL) e fotoluminescência de excitação (PLE) de um poço quântico de GaAs enrolado (a-c) e de um poço quântico de InGaAs enrolado (e-h), bem como as medições de PLE com polarização da luz em função da energia de excitação (d-h). (ACS Appl. Nano Mater. 2021, 4, 3, 3140-3147)
Espectros de fotoluminescência (PL) e fotoluminescência de excitação (PLE) de um poço quântico de GaAs enrolado (a-c) e de um poço quântico de InGaAs enrolado (e-h), bem como as medições de PLE com polarização da luz em função da energia de excitação (d-h). (ACS Appl. Nano Mater. 2021, 4, 3, 3140-3147)

 

“Com o desaparecimento de qualquer polarização da luz emitida pelas camadas enroladas, que inclui a camada de InGaAs, nós observamos que a estrutura eletrônica e as propriedades ópticas sofreram mudanças de natureza fundamental. E conseguimos isso sem recorrer à aplicação de um potencial externo para controlar a expansão e compressão do material. A formação espontânea dessas estruturas tubulares é uma maneira elegante de induzir um estado híbrido de compressão e expansão, que por sua vez induz novos efeitos”, explica o professor Leonarde do Nascimento Rodrigues, que trabalhou no sistema durante seu pós-doutoramento em conjunto com o professor Deneke. Cálculos teóricos mostram que o efeito pode ser esperado para todos os tipos de sistemas curvos fabricados em uma configuração de tubos com base no sistema de material usado.

Emissores quânticos de luz baseados nos materiais InGaAs e GaAs já são utilizados. Basicamente, todos os lasers usados na comunicação por fibra óptica baseiam-se nesta classe de materiais, constituindo uma espinha dorsal da comunicação pela Internet, fato pouco conhecido pela maioria das pessoas. À vista disso, as fontes de luz fabricadas com o material mencionado, cujas propriedades podem ser alteradas e controladas, são de grande interesse para os próximos patamares do desenvolvimento da tecnologia, os quais são representados, por exemplo, pela informação quântica e computação quântica. O fato de que essas estruturas semicondutoras em forma de tubo podem ser transformadas em um dispositivo emissor de luz (laser), juntamente com a habilidade de alterar e controlar as propriedades físicas sem a necessidade de qualquer fonte de tensão externa, proporcionam uma engenharia moderna que aponta na direção de potenciais aplicações acerca de emissores de luz e outros campos da ciência. Além disso, os resultados apresentados pelos autores, provenientes do comportamento geométrico tubular da estrutura, podem ser utilizados como um modelo para outros sistemas físicos baseados em diferentes materiais semicondutores como o silício (Si), que continua sendo o material mais importante da tecnologia de informação.

O trabalho foi em grande parte apoiado pela FAPESP e CNPq. As amostras foram crescidas e processadas no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano/CNPEM). As medidas de difração de raios X foram realizadas no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS/CNPEM). As medidas de espectroscopia óptica foram realizadas no Grupo de Propriedades Ópticas do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp.

 

Alguns dos autores do paper. A partir da esquerda: Leonarde N. Rodrigues, Diego Scolfaro, Angelo Malachias, Odilon D. D. Couto Jr e Christoph Deneke.
Alguns dos autores do paper. A partir da esquerda: Leonarde N. Rodrigues, Diego Scolfaro, Angelo Malachias, Odilon D. D. Couto Jr e Christoph Deneke.

 


Referência do artigo científico: Rolled-Up Quantum Wells Comprised of Nanolayered InGaAs/GaAs Heterostructures as Optical Materials for Quantum Information Technology.  Leonarde N. Rodrigues, Diego Scolfaro, Lucas da Conceição, Angelo Malachias, Odilon D. D. Couto Jr., Fernando Iikawa, Christoph Deneke. ACS Applied Nano Materials 2021, DOI: 10.1021/acsanm.1c00354. Disponível na modalidade de acesso aberto em https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acsanm.1c00354.

Contato do autor correspondente: Prof Chistoph Deneke (UNICAMP) – cdeneke@ifi.unicamp.br.


 


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