Cientista em destaque: entrevista com Dulce Maria de Araújo Melo, vencedora do Prêmio José Arana Varela da SBPMat


Dulce Maria de Araújo Melo era apenas uma criança quando inventou um método eficiente para extrair óleo da semente da mamona, combustível que era produzido artesanalmente pela família para usá-lo em candeeiros.

Hoje com 71 anos, esta destacada cientista brasileira, que continua ativa no seu laboratório, conta com uma vasta produção acadêmica: 300 artigos publicados em periódicos internacionais, 20 patentes depositadas ou concedidas e quase 200 orientações concluídas.

Dulce Maria se apaixonou pelos laboratórios de Química durante a graduação em Farmácia na Universidade Federal do Ceará (UFC). Em 1979, ela se formou e se tornou funcionária pública, mas a paixão falou mais forte e a jovem foi buscar formação científica em São Paulo.

Em 1982, concluiu o mestrado em Química Inorgânica na USP e foi contratada como docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Em 1985, iniciou a sua carreira de professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ao mesmo tempo, começou seu doutorado na USP, também na área de Química Inorgânica, obtendo o diploma em 1989.

Na UFRN, Dulce Maria teve papel fundamental na criação do curso de doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais, do Laboratório de Cimentos e do Laboratório de Tecnologia Ambiental. Além disso, foi coordenadora dos programas de pós-graduação em Química e em Ciência e Engenharia de Materiais.

Na SBPMat, ela foi diretora científica por duas gestões (de 2004 a 2025 e de 2010 a 2011) e também coordenadora do VI Encontro da SBPMat, realizado em Natal em 2007.

Neste ano de 2025, ela foi distinguida pela nossa sociedade com o Prêmio José Arana Varela, que é concedido anualmente a um pesquisador ou pesquisadora de destaque na área de Materiais no Brasil. Como parte da distinção, ela vai proferir uma palestra plenária no dia 1º de outubro, dentro do XXIII B-MRS Meeting, sobre catalisadores de perovskita para a produção sustentável de hidrogênio.

Saiba mais sobre Dulce Maria nesta entrevista que ela concedeu ao Boletim da SBPMat.

Conte-nos o que a levou a se tornar uma cientista.

Desde criança fui muito curiosa e muito observadora. Uma vez, vi minha avó extraindo óleo de semente de mamona, de forma bem artesanal, e ao ver aquela metodologia pensei logo em escolher outro método que produzisse um maior teor daquele óleo, pois o mesmo era usado para iluminação de candeeiros das casas dos empregados de meu pai. Não foi muito fácil, mas conseguimos fazer algumas modificações nas extrações. Com isso houve um aumento significativo na produção desse óleo.

Passou um tempo, fui estudar em Fortaleza para fazer o curso colegial, hoje ensino médio. Ao terminar o ensino médio fiz vestibular e fui aprovada e comecei as disciplinas de Química, Física, Cálculo, Estatística, dentre outras. Logo me apaixonei pela Química. Passava meus dias no laboratório ajudando minha professora de Química Inorgânica (Ester Weyne) a preparar as aulas experimentais. E a partir daí cada dia eu me descobria querendo saber mais e mais daquele mundo tão complexo e encantador.

Terminando meu curso de graduação, já era funcionária pública federal, mas estava fora do local que me dava alegria e prazer. Pedi licença sem remuneração e fui fazer seleção para o mestrado em Química Inorgânica na Universidade de São Paulo. Na época, só havia cinco bolsas para doze candidatos, mas, como fui aprovada em primeiro lugar, ganhei uma bolsa do CNPq. Fiz o mestrado sob a orientação da Professora Léa Barbieri Zinner e do Professor Geraldo Vicentini.

Uma das circunstâncias externas que colaboraram para eu ser a cientista que sou, foi a atenção que tive do meu marido (já professor da UFRN) e dos meus orientadores que me permitiram crescer cientificamente, me permitiram participar dos congressos internacionais onde eu pude traçar todos os caminhos que queria trilhar. Isso me permitiu ter resiliência e buscar sempre conhecimentos além dos que eu já dispunha.

Quando terminei o mestrado, passei em três concursos para diferentes universidades e meu primeiro contrato foi em agosto de 1982 na UFPB, onde passei dois anos e seis meses. Em 1985, fui transferida para a UFRN e, nesse mesmo ano, retornei à Universidade de São Paulo para cursar o doutorado.
Ao terminar o doutorado, ganhei meu primeiro projeto de pesquisa no CNPq e começamos a desenvolver materiais especiais para catálise, para sensores e materiais para adsorção de metais provenientes de água produzida na indústria do petróleo e gás. A dedicação foi mais forte na área de upstream e nesse ínterim criamos dois laboratórios importantes para a UFRN; o Laboratório de Cimentos (Labcim) e o Laboratório de Tecnologia Ambiental (Labtam).

Atualmente, coordeno o Labtam cuja expertise envolve a área de energia, focado em biomassa, processos de chemical looping, materiais catalíticos e transportadores de oxigênio; além de uma área estratégica como aprendizado de máquina (machine learning).

Quais são as realizações que lhe proporcionaram maior satisfação na carreira de pesquisadora, além da própria pesquisa científica?

Além da pesquisa científica e tecnológica, eu me considero uma gestora de projetos e pessoas e uma administradora bem sucedida, levando em conta que temos no Labtam 30 pesquisadores, 7 professores e 10 alunos de IC, além de alunos de mestrado e doutorado, todos com bolsas de projeto e de órgão de fomento.

Criei o curso de doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais em 1998 e fui coordenadora do mesmo por 4 anos, atualmente com nota 7,0 CAPES. Fui coordenadora do PPGQ de 2020 a 2023, o qual fazia 18 anos que tinha nota 4,0 e nesse período atingimos a nota 6,0.

Uma outra atividade que me deu muito prazer em executar foi participar do comitê assessor da área de Metalurgia e Materiais do CNPq. Enfim, são essas pequenas coisas que nos dão satisfação.

A partir da sua experiência, o que pode nos dizer sobre as possibilidades de se formar como cientista na área de Materiais na região Nordeste hoje e 40 anos atrás?

Atualmente, tornar-se um cientista na área de Materiais no Nordeste deixou de ser um grande desafio, principalmente, no que concerne à infraestrutura disponível para os programas de pós-graduação. Um programa de nível 7 (CAPES) é um programa que tem mais recursos, detém muitos projetos e, consequentemente, disponibilidade de bolsas. Hoje, as oportunidades são muitas e a globalização nos permite discutir resultados com outros cientistas do mundo inteiro, em tempo real. Além disso, os órgãos de fomento subsidiam muitos programas de capacitação. Hoje temos programas de financiamento já bem estabelecidos. Enfim, há 40 anos atrás só havia pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais em São Carlos, pois foi a primeira instituição a criar esse curso. Eu, particularmente, me considero uma cientista na área de materiais estratégicos, não por ter feito esse curso, mas pelas áreas que domino com muita propriedade.

Comente brevemente quais foram os principais temas de pesquisa que você abordou ao longo da sua trajetória científica dentro da área de Materiais.

Considerando minha trajetória de pesquisadora, as terras raras (lantanídeos) nunca saíram do escopo da minha pesquisa, pois elas foram abordadas na minha dissertação de mestrado e na minha tese de doutorado em diferentes contextos da síntese e da caracterização, principalmente, no doutorado pois envolveu a preparação de monocristal para determinação de estruturas cristalinas. Isso me rendeu muito conhecimento acerca do assunto. As terras raras são elementos tão importantes que podem ser usados para produção de ímãs de neodímio (usados nos carros da BYD), lasers, placas fotovoltaicas, catalisadores com estrutura perovskita, sensores etc. Atualmente, usamos perovskitas à base de lantânio e níquel para produção de gás de síntese e perovskitas inorgânicas à base de lantânio e bismuto para produção de células solares. Temos trabalhos publicados a respeito do assunto e patentes com solicitação de privilégio. É um assunto empolgante e ao mesmo tempo desafiador.

Sobre o Laboratório de Cimentos, montamos o laboratório em 1989 (eu, Prof. Eduardo Martinelli e Prof. Marcus Melo) e coordenamos o mesmo até 2010. Nessa área formamos muitos alunos de mestrado e doutorado, muitos deles estão nas empresas de petróleo e gás. Produzimos muitos trabalhos nessa área e 11 patentes; deixamos o laboratório bem equipado com mais de 10 milhões em equipamentos (é claro que o esforço foi de toda equipe) e hoje é administrado pelo Prof. Júlio Cézar Freitas e Prof. Martinelli.

Considerando toda a minha trajetória, acredito que o que mais me empolga é criar novos materiais para aplicar no que se chama de desafio global: materiais inteligentes como catalisadores nanométricos, baterias, nanotubos de carbono e super ímãs.

Pense nas descobertas científicas ou tecnológicas das quais você participou ao longo da sua carreira e descreva brevemente algumas que você considera mais relevantes ou interessantes.

Uma das descobertas mais recentes diz respeito a mudanças de comportamento dos materiais, a partir da sua modulação feita por inteligência artificial, onde modulamos os materiais para determinadas finalidades a partir de uma plataforma desenvolvida no nosso laboratório, usando algoritmos chaves para a obtenção do melhor material para essa ou aquela finalidade.

Na sua profissão de docente e pesquisadora, você encontrou dificuldades relacionadas ao fato de ser mulher?

Eu, particularmente, nunca encontrei dificuldade em função de ser mulher. Também, sempre tomei as maiores responsabilidades para mim; talvez esse comportamento tenha me resguardado.

Depois de 45 anos de dedicação à ciência, quais são seus próximos planos?

Meus planos são basicamente dois: continuar como colaboradora no Labtam, principalmente na área de projetos, e ministrar conferências nas escolas públicas com a finalidade de incentivar os jovens a abraçar carreiras que façam com que o país cresça.

Deixe uma mensagem para nossos leitores mais jovens que estão iniciando uma carreira científica no Brasil ou estão cogitando essa possibilidade.

Mensagem aos jovens: Nunca desistam dos seus ideais, hoje pode ser difícil, mas nunca foi fácil para ninguém!


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